Teoria Musical, Anjos e Demônios

Neste post vamos falar de possíveis relações entre a teoria musical e os rituais com seres espirituais, com músicas e melodias que facilitam o contato e preparam a mente para invocações e evocações em geral.

A harmonia das esferas de Kepler

Kepler, Copérnico, Pitágoras, Galileu Galilei e Newton foram somente alguns dos cientistas que buscaram estudar a harmonia geométrica dos corpos celestes, e esta harmonia foi associada a sólidos regulares, a intervalos seguindo a razão áurea, a cores e a notas musicais.

Kepler, 1619 – Harmonices Mundi.

Kepler (1571 – 1630) foi talvez um dos que tenha ido mais longe nestas associações, chegando a deixar muito material escrito sobre o assunto, e esquemas harmônicos completos. Ele definiu que cada planeta teria uma sequência de notas que representaria seus movimentos aparentes em relação à Terra. Outros autores como Robert Fludd (1530 – 1607) partilharam deste conceito e também definiram notas e acordes que seriam a chave vibracional para a energia de cada planeta.

Fludd, 1617 – Divine harmony, music of the spheres.

Os seres espirituais e o céu

De 1300 a 1800, proliferaram na Europa diversos grimórios, copiados à exaustão, modificados e mesclados por cada autor ou copista, e muitos destes grimórios apresentam associações entre seres espirituais e corpos celestes. Os tratados de cabala hermética de 1700 a 1900 também adotam este tipo de associação, e o renascimento da magia Ocidental com a Golden Dawn nos anos 1900 não só mantém mas amplia tais correlações. 

Por exemplo, temos os casos clássicos do Ars Goetia (~1600) que associa as hierarquias demoníacas com os 7 planetas da astrologia tradicional, da Ciência Cabalística de Lenain (1823) que associa os anjos Shemhamphorash com os 12 signos do zodíaco, e da “Goécia de Crowley” (~1910) que associa cada daemon da Goécia com um decanato – associado portanto a um signo, e sendo regido por um planeta na vertente caldeia e outro na vertente hindu. Vertentes como a Teosofia e o Espiritismo se apressaram em categorizar os seres por “nível de evolução”, e também definiram escalas vibracionais para cada classe e/ou hierarquia.

Pearson, 1910 – Microcosmic scale of vibration, psycho-harmonial philosophy.

Esta tendência de associar os seres espirituais a níveis de existência (submundos, supramundos, infernos, céus, etc), porém, é bem anterior, e encontramos uma das primeiras menções a isto no Testamento de Salomão (datado do século III) quando grande parte dos demônios diz a Salomão que “vive sob um corpo celeste”. Ornias, o demônio que mordia o dedo dos trabalhadores do Templo, diz a Salomão que “os demônios ascendem ao firmamento do céu e voam entre as estrelas”, e que ele próprio vive “sob a estrela da manhã” (provavelmente Vênus ou o próprio Sol). O demônio Onoskelis, por outro lado, diz que vive “sob a estrela da Lua Cheia”, Asmodeus vive “sob a Ursa Maior” e as 7 irmãs vivem sob as plêiades.

Entre os Séculos X e XI, encontramos no Picatrix um dos maiores tratados sobre magia planetária que se tem notícia, e nele também podem ser encontrados pelo menos 7 espíritos específicos e cada um dos 7 planetas tradicionais, além das regências planetárias dos 36 decanatos, e associações entre os signos ou planetas e diversos objetivos mágicos, além de tipos de animais, e partes do corpo humano que regem.

No Martelo das Bruxas de 1486, por outro lado, os inquisidores Kraemer e Sprenger dizem que as associações planetárias não passam de mera ilusão, pois “os planetas e as estrelas não têm poder para coagir e obrigar os demônios a realizar quaisquer ações contra sua vontade”, e que na verdade os demônios criam tais associações pois “sabem que o poder daquele planeta ajudará no efeito que os magos desejam” – ou seja, mesmo refutando as associações planetárias, não refutam seu poder sobre os objetivos mágicos. 

Sendo assim, seja indiretamente, por meio dos objetivos mágicos que se deseja efetivar com ajuda dos espíritos, ou diretamente pela regência dos próprios espíritos, acreditava-se que havia influência de planetas e signos sobre a atuação dos seres espirituais. Eles teriam, portanto, relação com tudo o que pudesse ter um grande “teor” de dado planeta ou signo, como por exemplo metais, minerais, vegetais, animais, cores e notas musicais associados, entre outros elementos, que poderiam ser utilizadas para energizar o ritual feito para contactar o espírito em si.

Planetas, signos e notas musicais

Hoje sabe-se que tudo tem sua vibração, e buscando as frequências harmônicas na escala audível é possível definir notas musicais para a vibração de planetas. No caso dos signos, é possível que esta definição seja feita por associação com a assinatura de frequências de cada estrela que compõe cada constelação. Porém, este método é puramente mecânico, e uma pequena variação na medição da rotação e/ou translação de cada planeta, ou da assinatura vibracional de cada estrela, pode gerar grandes variações na definição da nota correspondente.

Sendo assim, um método que pode se mostrar mais adequado para as práticas esotéricas é a definição por meio do simbolismo de cada planeta e/ou signo. Na teoria musical, encontramos autores como Mattheson, Charpentier e Rameau que buscam definir os sentimentos e as sensações que podem estar associados a cada acorde ou nota musical. Encontram-se também artigos científicos com estudos realizados por meio de questionários para avaliar os efeitos mentais de cada nota isolada.

O’Toole et al., 2021 – When Emotions are Triggered by Single Musical Notes: Revealing the Underlying Factors of Auditory-Emotion Associations.

Seres espirituais e notas musicais

Anjos volta e meia aparecem acompanhados de trombetas, e daemons da Goécia podem ser precedidos de trompetes e címbalos. Em pleno Século XIX Paganini teria sido acusado de fazer um pacto com o diabo para tocar violino, e na Idade Média o trítono Fá-Si era considerado pela Igreja como “o som do diabo”. Partindo do pressuposto que seres espirituais estariam conectados a planetas/signos, e que tais planetas/signos estariam conectados a notas musicais e acordes, existe a possibilidade, no âmbito mágico, de serem desenvolvidas melodias para cada ser espiritual de acordo com suas correlações. 

Os intentos de cada ritual também podem ser evocados na música, seja pelo sentimento geral da melodia, seja pela associação planetária de cada intento. Podem ser adicionadas palavras, mantras, e vocalizações que serão entoadas junto à melodia construída (por exemplo os próprios nomes dos seres espirituais, mantras criados e consagrados a eles, Enns no caso dos daemons da goécia, salmos no caso dos anjos, etc), e na prática podem ser definidas várias vozes, ritmos diferentes, conjuntos de instrumentos, efeitos sonoros, em uma verdadeira orquestra mágica. 

TRAPPIST-1, 2017 – Trappist Melody.

Criando melodias para seres espirituais

O objetivo da criação de melodias para os seres espirituais é entender os anjos e daemons por meio do som. A inspiração para criar as melodias pode vir das imagens que os seres apresentam em sonhos ou projeções astrais, e com o passar do tempo eles podem transmitir a tonalidade, o som de planetas, a decodificação do sigilo em intervalos musicais, a forma e a relação entre cores e sons (sinestesia). Outro fato curioso é que pode aparecer o nome de compositores em sonhos, e isso amplia as possibilidades sonoras, levando-se em conta as características do período da história da música, e também os tipos de melodia mais conhecidos de cada compositor.

Sendo assim, seguindo todas as dicas anteriores, e também outros métodos desenvolvidos por cada pessoa, será possível criar melodias que serão consagradas a cada ser, estreitando cada vez mais o contato, e provendo inclusive uma trilha sonora para o ritual com aquele ser espiritual. Além da melodia, como já mencionado, podem ser acrescentados percussão e acompanhamento, efeitos sonoros, e cânticos.

Galdalfe, 2012 – Circle of Fifths by Zodiac Sign.

Melodias mágicas na Pop Magick

Para finalizar, deixamos aqui um exemplo bem clássico do uso de melodias mágicas na cultura pop: alguns jogos da franquia Zelda como Ocarina of Time e Majora’s Mask apresentam músicas que possuem poderes mágicos, ativando coisas específicas dentro do jogo e até mesmo manipulando a passagem do tempo. 

Esse é um uso bem plausível de ser replicado na magia, mesmo que em uma abordagem de Pop Magick, claro que com as devidas ressalvas (por exemplo, é mais provável que você desbloqueie memórias do que volte no tempo de fato, é bem provável que você altere sua percepção da passagem do tempo, mas que isso não se aplique a quem está ao redor e não conhece a melodia, etc).

OhRogan.deviantart.com – Ocarina Song Stickers.

Agradecimento especial à Milena Miotto pela consultoria na parte de teoria musical! E que venham por aí as 72 músicas da Goécia!

Deixe um comentário