Simbolismos de Pazuzu

Após aparecer no filme O Exorcista (baseado no livro de mesmo nome), o demônio mesopotâmico Pazuzu ficou famoso na cultura Pop, e logo foram lançados grimórios citando-o em um contexto ritualístico. A fama foi tamanha que, hoje, é impossível separar a representação de Pazuzu no imaginário popular em termos de seus elementos cinematográficos e históricos/arqueológicos. 

No entanto, sabemos que os elementos históricos acrescentam muitas informações interessantes para uso ritualístico tanto no intuito de evocar ou expulsar este ser espiritual, além de revelarem simbolismos relacionados a aspectos totalmente práticos como pragas, ventos, doenças e suas curas. 

Sendo assim, nesse texto vamos traçar um breve histórico dos elementos que orbitam em torno da figura de Pazuzu, desde os primórdios na Mesopotâmia até as aparições contemporâneas no meio mágico, na arte e na cultura Pop.

Genealogia

Pazuzu é citado como sendo especificamente o vento do Sudoeste, sendo irmão de Humbaba (demônio guardião das florestas de cedros) e ambos sendo filhos de Hanbi (antigo deus dos ventos, sem representações visuais conhecidas). 

Enquanto Pazuzu cuida das pragas que destroem plantações, Humbaba é regente da queimação mortal que aflige os intestinos, sendo citado em práticas oraculares quando os intestinos de pessoas e animais mortos “estão enrolados como as barbas de Humbaba”.

A menção mais famosa a Humbaba ocorre na Tabuleta 5 do Épico de Gilgamesh, quando o herói e seu parceiro Enkidu derrotam o demônio com ajuda do deus do Sol Shamash: “O chão se abriu com os calcanhares de seus pés, enquanto eles giravam em círculos, o Monte Hermon e o Líbano se dividiam. As nuvens brancas escureceram, a morte caiu sobre eles como neblina. Shamash ergueu contra Humbaba poderosas tempestades – Vento Sul, Vento Norte, Vento Leste, Vento Oeste, Vento Assobiando, Vento Perfurante, Nevasca, Vento Ruim, Vento de Simurru, Vento de Demônios, Vento de Gelo, Tempestade, Tempestade de Areia… Treze ventos se levantaram contra ele e cobriram o rosto de Humbaba”.

Imagem: amuleto e máscaras de Humbaba (Museu Britânico e Louvre).

Aparência

A aparência de Pazuzu é relativamente padronizada em suas estátuas, sejam elas apenas de rosto, de corpo inteiro, ou estilizadas em bastões ritualísticos (denominados de fíbulas), apenas variando devido ao nível de detalhamento dado por cada artiste. Sua cabeça tem forma majoritariamente humana, com boca ou o nariz sendo substituídas por partes de cachorro, pantera ou leão. Possui quatro asas geralmente representadas abertas em “X”, rabo enrolado de leão ou escorpião, e geralmente tem o pênis na forma de uma serpente. Seu corpo é semelhante ao de um grande felino, com garras nas patas dianteiras e traseiras, compartilhando iconografia também com Nergal, deus assírio das pragas, da guerra e do submundo.

Imagem: estátuas de Pazuzu (Museu Britânico e Louvre).

Levando em conta que um dos simbolismos associados a Pazuzu é o das revoadas de gafanhotos que destruíam as lavouras, percebemos que de fato, quando vistos de perto, os gafanhotos têm algumas semelhanças visuais com as estátuas de Pazuzu. Não só a cabeça dos gafanhotos tem traços humanos e/ou felinos dependendo da interpretação dos seus detalhes, mas também suas asas quando abertas lembram as de Pazuzu, além de seu abdome lembrar uma serpente e suas patas terem ângulos semelhantes aos das pernas de felinos.

Imagem: fotos e ilustração em domínio público de gafanhotos; estátuas de Pazuzu (Museu Britânico e Louvre).

É interessante observar que a aparência de Pazuzu nos lembra também a dos gafanhotos descritos no Livro das Revelações, Apocalipse 9: “A aparência dos gafanhotos era semelhante à de cavalos aparelhados para a guerra; e sobre as suas cabeças havia como que umas coroas semelhantes ao ouro; e os seus rostos eram como rostos de homens. Tinham cabelos como cabelos de mulheres, e os seus dentes eram como os de leões. Tinham couraças como couraças de ferro; e o ruído das suas asas era como o ruído de carros de muitos cavalos que correm ao combate. Tinham caudas com ferrões, semelhantes às caudas dos escorpiões; e nas suas caudas estava o seu poder para fazer dano aos homens por cinco meses”.

Poderes

Na estátua de Pazuzu exposta no Louvre, podemos ler a inscrição: “Eu sou Pazuzu, filho do deus Hanbi, rei dos malignos demônios Lilu. Subi as poderosas montanhas que tremiam. Os ventos que eu enfrentava estavam indo para o oeste. Um por um eu quebrei suas asas”. Sendo assim, já percebemos seu importante papel como mestre de um séquito demoníaco, mas também como inimigo de alguns ventos ou de outros demônios.

No Louvre há uma placa de conjuração contra Lamashtu e outros demônios, também chamada “placa do inferno”, onde Pazuzu segura um mural onde estão representados seres espirituais na forma de vários animais. Neste sentido, Pazuzu teria um lugar de destaque, comandando e/ou combatendo todas as classes de seres representadas na placa, demonstrando seu domínio sobre aquelas criaturas.

Imagem: placa de conjuração assíria ou “placa do inferno” (Louvre).

Com base em todas as informações às quais temos acesso sobre Pazuzu nas inscrições antigas, sabemos que suas regências se dão em relação às pragas e à destruição de plantas, além da proteção contra abortos devido à sua capacidade de combater Lamashtu.

Seu caráter é ambivalente, regendo aspectos que podem afetar a vida humana de forma nociva ou trazendo proteção. De forma mais geral, por ser um deus dos ventos quentes, Pazuzu pode auxiliar com aspectos de rapidez (física e mental) e para aquecer os ânimos e relacionamentos (raiva, sexualidade, agressividade). A proteção contra demônios pode ser expandida para abarcar qualquer tipo de ser espiritual ou magia que possam ser nocivos à pessoa que o convoca.

Simbolismo

Observando as menções a Pazuzu, vemos que ele tem relação com os ventos, e com o calor, especificamente regendo os ventos quentes. Sua direção seria o Sudoeste, utilizada para posicionar as estátuas nas janelas em busca de proteção.

Além disso, os animais que compõem sua iconografia entrariam como possíveis correlações: pantera, leão, serpente, escorpião, possivelmente a águia (asas e garras?). O gafanhoto seria diretamente associado devido aos seus efeitos nas lavouras.

No que toca aos gafanhotos, é interessante observar que o símbolo babilônio antigo NAN era usado para representar este inseto, e era similar ao símbolo para andorinha (SIM) e para perdizes ou pardais (BURU). Em épocas posteriores há intercâmbio entre os símbolos, de forma que gafanhotos, andorinhas e pardais ou perdizes passam a ser representados de forma igual, sendo distinguidos apenas pelo contexto. Sendo assim, como associações secundárias, podem ser considerados estes pássaros.

No que toca às correlações com daemons da Goécia, encontram-se semelhanças iconográficas entre Pazuzu e o 23º daemon, Aim, notadamente em sua ilustração no Dicionário Infernal onde recebe o nome de Haborym (com direito inclusive à cobra no lugar do pênis). Esta correlação simbólica pode ser utilizada para montar um ritual nos moldes dos papiros mágicos gregos, com associações entre divindades para cada finalidade desejada.

Rituais

Os rituais com Pazuzu podem ser desenvolvidos considerando uma das três formas de rituais comuns na antiguidade: (i) utilizando símbolos de Pazuzu para atrair seus poderes; (ii) utilizando símbolos de Pazuzu para afastar os próprios aspectos nocivos de Pazuzu; ou (iii) utilizando símbolos de Pazuzu para afastar os aspectos nocivos de Lamashtu.

Os símbolos utilizados para representar Pazuzu podem ser tanto as suas estátuas (de rosto, de corpo inteiro, estilizadas) quanto sigilos e selos desenvolvidos para este propósito. Alguns autores contemporâneos desenvolveram selos para uso ritualístico, porém pode ser mais vantajoso que cada pessoa crie seu próprio selo de acordo com suas intuições e métodos preferidos.

Em termos dos ingredientes que podem ser ofertados, citam-se os materiais usados na confecção de suas estátuas antigas (ex: cobre, bronze, lápis-lazúli, jaspe vermelha, cerâmica e argila), todos os ingredientes relacionados aos ventos e ao fogo (ex: velas vermelhas e/ou amarelas, hortelã, alecrim, sálvia, olíbano, pimenta, canela, cravo). 

Também podem ser especificamente ofertados os cedros guardados por seu irmão Humbaba, na forma de sua madeira, cascas, folhas, galhos, incensos, etc. É interessante observar que o cedro é geralmente associado a Saturno na magia, o que traz um caráter sub-mundano ao rito. Além disso, abre-se a possibilidade para o uso de qualquer conífera por associação, como pinheiro, casuarina, araucária, junípero, entre outras. 

Representações Contemporâneas

No filme O Exorcista, Pazuzu aparece como o antagonista de um padre que performa exorcismos. Sua estátua é desenterrada no Iraque, e a entidade possui a criança Regan MacNeil. Além da representação no filme por meio de uma estátua muito similar às versões encontradas no Louvre e no Museu Britânico, não existem outros elementos relacionáveis às suas regências no filme (talvez apenas o fato de causar febre em Regan).

Em 2008, foi instalada uma estátua de Pazuzu no Instituto de Arte Contemporânea de Londres. Sendo parte da exposição Šuillakku, foi criada pelo autor Roberto Cuoghi com base em rituais e encantamentos assírios estudados por ele através dos anos. Já em 2017, na exposição “Treasures from the Wreck of the Unbelievable”, foi inaugurada uma estátua criada por Damien Hirst como uma releitura de Pazuzu buscando representar algo que poderia ter sido encontrado em um navio naufragado.

Imagem: Pazuzu no filme “O Exorcista”, Pazuzu no Instituto de Arte Contemporânea e Pazuzu na exposição “Treasures from the Wreck of the Unbelievable”.

Referências

BECK, 2020 – Disease Demons in Mesopotamia and Egypt Sāmānu as a Case Study; CARUS, 2008 – The History of the Devil: with 350 illustrations; HEEßEL, 2002 – Pazuzu (Archäologische und philologische Studien zu einem altorientalischen Dämon-Brill Academic); MAIDEN, 2018 – Counterintuitive Demons: Pazuzu and Lamaštu in Iconography, Text, and Cognition; NEUMANN, 2015 – Pazuzu: Friend or Foe?; VELDHUIS, 2004 – The Sumerian Composition Nanse and the Birds, with a Catalogue of Sumerian Bird Names; WIGGERMANN, 2007 – The Four Winds and the Origins of Pazuzu.

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